sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Helena Mello #4: O idiota


Ressaca teatral

Ainda bem que a peça se chamava O idiota, pois quem estava se sentindo a própria era eu por pensar que conseguiria chegar em meia hora da Uniritter, onde estava apresentando meu trabalho, ao Theatro São Pedro. Assim, 15 minutos atrasada, fiquei feliz de consegui entrar nos camarotes, embora tivesse comprado ingresso para plateia. Já nos primeiros minutos do espetáculo, minha alegria vai sendo justificada e como vai faltar adjetivos favoráveis para descrever a atuação do grupo dirigido por Eimuntas Nekrósius, sugiro que aqueles que discordam desta forma simplista de elogiar levem suas máquinas de fotografia Kirlain da próxima vez. Imagino que este seja o único jeito de registrar a energia que existe no palco quando estes atores estão em cena.

Não sei onde fica a Lituânia, mas, desde 2001, sei que é de onde vêm pessoas capazes de me dar aula de teatro. Vi os três espetáculos que vieram a cidade no Porto Alegre em Cena. Fiquei estupefata com Hamlet, adorei Otelo e me impressionei com Fausto, embora a distância do palco quase tenha me colocado para dormir. Quem diz que a posição que ocupamos na plateia não importa só pode estar tentando vender um ingresso em um mal lugar. Para que a gente não dê muita importância, precisa ser um espetáculo como este e, mesmo assim, posso dizer que, quando desci no primeiro intervalo e fui para o meu lugar, foi bem diferente. Até para ler a legenda. Aliás, nunca pensei que teria vontade de saber lituano... Eu bem que poderia ser um destes 4 milhões que falam esta língua. Creio até que já comecei a aprender, pois ontem entendia perfeitamente quando eles diziam: idiota.

Fora isso, é difícil explicar o que nos prende por tantas horas. O cenário e os figurinos são austeros. Há uma mistura de realismo como a presença de um piano, com outros objetos completamente dadaístas. A luz não sofre grandes variações. A trilha sonora muito menos. Eles dão quase todas as falas em um “tom acima”, gritam muito, gesticulam mais ainda. Várias características que, em geral, são atribuídas ao teatro ruim. Porém, há um jogo entre os atores que deixa qualquer um que goste desta arte de boca aberta. Além disso, não há como prever de que forma eles pretendem nos mostrar alguma cena. Nunca tinha visto algum diretor dizer que beijar os joelhos teria um significado ou que na hora de trocar as cruzes penduradas nos pescoços os atores começariam a fazer uma espécie de coreografia ou que as cartas dos personagens estariam dentro de uma grande cesta que seria batida de forma constante no chão por uma das atrizes. Então, não há como prever o que irá acontecer. Nunca. E, na sequência de uma encenação, aparentemente, tradicional embasada em muito texto, podemos ser surpreendidos por barcos de papel, por uma espécie de jogo das cadeiras e por tantas outras coisas concebidas para o espetáculo de forma original e genial. Porém, não vou mentir. No final, depois de vários intervalos, já não estava controlando o sono. Não sei se a cena foi realmente mais lenta ou se só me pareceu assim. De qualquer forma, tenho certeza de que todos aqueles aplausos de pé foram mais do que merecidos.

Uma coisa posso garantir: se eles vierem o ano que vem, lá estarei. Afinal, eu não pretendo ir à Lituânia, mas se ela vem até a mim...

Seleciono algumas das “pérolas” ditas pelos atores:

- dizer isso combina com a conversa;
- tagarelarei bem menos;
- não se desculpe ou você estraga toda a originalidade;
- há uma nova tolice nisso;
- estou com um desejo incontrolável de lembrar-lhe da minha existência;
- se dizem que sua mente é de alguma forma afetada é injusto;

Bem, não foi só a minha mente a ser afetada pelo espetáculo. Quem acha que ficar cinco horas no teatro é cansativo, não faz ideia do dia seguinte. Dá uma ressaca daquelas que dói o corpo, a gente não quer pensar em nada, mas tem certeza de que o vinho era de primeira qualidade.

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Texto: Fiódor Dostoievski / Adaptação Direção: Eimuntas Nekrosius / Elenco: Daumantas Ciunis, Salvijus Trepulis, Elzbieta Latenaite, Diana Gancevskaite, Margarita Ziemelyte, Vidas Petkevicius, Migle Polikeviciute, Vaidas Vilius, Vytautas Rumsas, Ausra Pukelyte, Vytautas Rumsas Jr., Neringa Bulotaite e Tauras Cizas / Figurino: Nadezda Gultiajeva / Cenário: Marius Nekrosius / Iluminação: Dziugas Vakrinas / Trilha Sonora: Arvydas Duksta / Música original: Idiotas Latenas / Produção: Meno Fortas Vilnius / Coprodução: European Capital of Culture 2009, Fondazione Musica per Roma, International Stanislavsky Foundation Moscow, Dialog Festival Wroclaw, Baltic House Festival, St. Petersburg / Duração: 5h (15min de intervalo) / Administração Internacional: Lithuanian Ministry of Culture e Aldo Miguel Grompone (Roma) / Classificação: 12 anos / Legendas em português

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Helena Mello
Jornalista e Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS. Autora do blog www.palcosdavida.blogspot.com

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