quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Rodrigo Monteiro #19: In on it


Foto: Guilherme Santos / PMPA

O não dito

Embora a discussão sobre forma e conteúdo já tenha sido deixada de lado há um bom grupo de décadas, uma vez que já se entendeu que, na forma, também há conteúdo, partir dela é sempre renovador quando pensamos em arte como um processo que começa e termina e que só se estende na sua recepção. O que levou um determinado grupo de pessoas a fazer essa peça desse jeito? E aí a reflexão fica situada o máximo possível (ou seja, num lugar tão pequeno quanto inexistente) naquilo que não é a relação da obra com o público. In on it parece ser mais uma peça em que um grupo de pessoas pensou, primeiro, na forma e esqueceu do conteúdo, como tantas que se vê por aí.

“Eu sou louco para fazer uma peça em que as histórias se misturem... Uma coisa meio Magnólia com aquela chuva de sapos...”

“E duas cadeiras. Só duas cadeiras. Teatro dos bons: ator e texto!”

Cansativo. Histriônico. Frio como uma geladeira vazia. Inútil como um Iphone que não recebe ligações, nem as faz. Com um texto do canadense Daniel MacIvor, Emilio de Mello e Fernando Eiras, em calças, sapatos, camisa e gravata iniciam a peça dizendo, com todas as letras, que querem fazer algo aparentemente inovador, que comece “de repente”, sem que o teatro pareça teatro, sem que haja um ponto inicial bem marcado. Com uma mala cheias de troféus e a fama de ser o espetáculo mais desejado do 17º Porto Alegre em Cena, a trama dirigida por Enrique Diaz parece mais purpurinada do que realmente boa. Os atores, que são excelentes, se sucedem em personagens quase caricatos e a luz é um espetáculo a parte, sendo o cenário, o figurino, a maquiagem e, em alguns momentos, a protagonista desse show.

Então, as histórias vão ganhando corpo e os minutos passando. De um lado, dois atores ensaiam uma peça. De outro, a peça apresentada. No centro, um par de homossexuais discutem a relação. Os homossexuais parecem ser os atores no passado. Um dos atores parece ser um dos personagens da história da peça, o que estava dirigindo um dos carros no dia do acidente fatal que termina a trama dentro da trama. Há ou não há uma ligação entre as três narrativas?

Eis aí que o texto deixa de ser texto e os atores passam a não mais existir. Tem-se um discurso e quem age é personagem do/no contexto. É o Rodrigo que muda de tom quando escreve no blog do festival ou quando está no Ponto de Encontro. É o filho que fala com a mãe de um jeito e com o pai de outro. Mostra carinho quando quer e é frio quando não está nem aí. (Ou o contrário.) In on it fala das roupagens que a comunicação tem e delas se usa para ser comunicação. A peça se constrói em cima de uma forma totalmente cheia de conteúdo, esse a ser usado o mais plenamente possível. E sua história fala de conteúdos sem forma e, por isso, muitas vezes, não ditos. Se um dos atores for mesmo o personagem da história contada e ambos serem os homossexuais que relembram sua própria história, então, estamos falando de algo que não aconteceu. Tudo não passa de uma reflexão sobre o que não ficou dito. Mas poderia...

Não sabemos do quê sofre o homem que está condenado à morte. Ele não sabia que sua mulher estava tendo um caso com outro. O filho não sabe que o padrasto irá embora e sua mãe não tem o que dizer a ninguém que ela não possa simplesmente seduzir. O filho fala do tempo, do emprego, da esposa, mas não fala com o pai sobre si e sobre ele. Ninguém sabe quanto tempo de vida resta ao protagonista. Ninguém diz.

O par de homossexuais relembra como se conheceu e como foi sua relação. Sem saberem muito um sobre o outro, eles se encontraram para organizarem uma coreografia para uma festa. Desentendidos. Desencontros. “Por que você não me disse isso (que não poderia me receber) há vinte minutos (quando você mesmo me convidou para vir aqui na sua casa)?!” As brigas, o casaco, a troca do ingresso, o xampu. “O que era mesmo para comprar?”

Os dois atores têm ideias diferentes quanto ao texto. Um deles é o autor, mas embora a opinião desse seja mais fortemente defendida, nem sempre a do outro é desprestigiada. Nós vemos as duas.

Nós vemos as três. Todas as histórias, em paralelo, são contadas sem a entrada ou a saída de nenhum cenário que não seja a mudança de lugar das cadeiras, a quebra na luz e uma nova corporalidade na dupla de atores: Mello e Eiras. Todas as histórias viram uma só, envolvidas, in on it. E o conteúdo mostra pela forma ser o quão próximos e distantes estamos, tanto que, às vezes, o não-dito se perdoa. Às vezes, não.

De uma forma muito inteligente, o tema banal, mas não vulgar, das relações humanas e do quanto se perde de tempo em não dizer o quanto certas coisas e pessoas são importantes é tratado como conteúdo em In on it. A equipe que criou o projeto trata com a profundidade que o teatro contemporâneo oferece uma questão que só é superficial por ser, muitas vezes, mal discutida. Sempre é tempo de nos unirmos para nos perguntarmos sobre as coisas que não dissemos, sobre o que faltou dizer, sobre o que não adianta mais pensar. MacIvor, ao escrever o texto com a literatura, sugeriu. Mas o mérito é de Diaz e seu grupo pela encenação e do POA EM CENA pelo teatro, pelo encontro do público gaúcho com essa proposta tão rica, emocionante, bem feita e bem vinda.

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*Rodrigo Monteiro: Licenciado em Letras - Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.Bacharel em Comunicação Social - Habilitação Realização Audiovisual pela mesma universidade. E mestrando em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Jurado do Troféu Açorianos de Teatro 2010 e, também, do Troféu Braskem 2010, é autor do blog www.teatropoa.blogspot.com de Crítica Teatral de Porto Alegre.

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