quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Ronald Radde: Cabarecht


Foto: Mariano Czarnobai / PMPA

Cabarecht

O Festival Porto Alegre em Cena – que, na verdade, não põe a “cena” de Porto Alegre “em cena”, mas traz a cena de rincões distantes para Porto Alegre, teve seu encerramento com a qualificação do que somos capazes e do que deveria ter mais espaços no evento.

Mesmo entremeado com a entrega do Troféu Braskem, merecidamente e repetidamente enaltecido (se bem que as empresas investem quase que somente em eventos sazonais de grande envergadura ligados especialmente à órgãos públicos, não dando a mínima para as produções que fazem o diuturno das artes locais), o espetáculo Cabarecht não perdeu a envergadura e nem o seu ritmo envolvente e crescente valorizando a cerimônia simpaticamente comandada pelo comandante Alabarse.

Teatro cheio, expectativa de prêmios e troféus no ar, torcidas, mas respeitoso e envolvido silêncio para ouvirmos Cida Moreira, incomparável em sua obsessão por este tipo brechtiano de musical e, pasmem, atores gaúchos interpretando e cantando muito bem! Músicas em idiomas diversos e que fazem parte de espetáculos variados, antigamente até denominados de show de variedades – mas, na verdade, histórias que notadamente registravam o momento vivido pela “humanidade” na visão extremamente crítica de quem escrevia o texto e dos parceiros musicais .

A decadência desta “humanidade” dos anos 20 até a segunda guerra mundial era mostrada tendo, em cena, cafetões, prostitutas, ricos e pobres, esquecidos por Deus como estrelas perdidas em ambientes onde metaforicamente esta realidade se espelhava – os cabarés .

Cida Moreira, sem dúvida, comanda e apóia melodicamente a harmonia musical dos seus três colegas de cena com maestria . Matamos a saudade do Dunga, que fez muito disso com Irene Brieztke; vimos Zé Adão Barbosa, menino que, saindo de uma peça escolar chamada Os saltimbancos, foi chamado direto ao profissionalismo e com quem tive a honra de compartilhar, e que, hoje, é soberbo em sua desenvoltura conseguindo, com o seu brilho, ter tantas cartas na manga que até eventuais escorregões só conseguem ser notados por experts musicais de altíssimo ouvido. Também a dama do Festival, a madrinha de 2010, Sandra Dani, com suas performances está a nos confirmar uma certeza: um espetáculo solo cantado, pois, interpretando grandes personagens, nós já a conhecíamos. Interpretando difíceis canções, se descobriu uma talentosa cantora que agora nos deve este tipo de espetáculo.

Enfim, com uma direção simples, mas eficaz, com escolha de repertório rico e não panfletário, como poderia deslizar, já que Brecht é Brecht, o diretor Humberto Vieira alcançou um resultado romântico e feliz, falando de amor e de estrelas, sem perder a acidez e o sarcasmo metafórico que mobilizou o teatro de oposição da época, na Europa e, especialmente, na Alemanha, que vislumbrou e vivenciou o nazismo em sua plenitude .

Um espetáculo digno, de qualidade e que enobreceu e enalteceu o “feito aqui” e que, diretamente, indica que as artes cênicas gaúchas têm, sim, alta qualidade para ser vista pelo mundo e, por isso mesmo, deve ter cada vez mais espaço no Festival.

E um reparo: será que precisamos internacionalizar até o patronato do Festival? No ano que vem, o padrinho escolhido é um crítico uruguaio, o Papa. Rarearam as personalidades gaúchas que merecem a homenagem?

(Quem escreve foi o homenageado na 12ª edição.)

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Ronald Radde – Dramaturgo e diretor da Cia.Teatro Novo

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