Foto: Jonathas Heckler
Ai, meu Deus, o Mamulengo!
Ai meu Deus, o mamulengo! Etimologia incerta, para uma arte certa, a de fazer rir. Em geral os bonecos pretos são os mocinhos e os brancos são os bandidos, muita pancada com porrete e uma sexualidade exacerbada: eis aí o mamulengo.
Bonecos confeccionados para realçar o feio, o grotesco, e operados com muita improvisação, tratam de padres safados, maridos chifrados, mulheres assanhadas, soldados covardes e malandros bondosos. O verbo utilizado para apresentar a função é brincar. Brincar é um verbo bem brasileiro, ao menos, no norte e nordeste. Aqui, no sul, a gente pousa de séria, não brinca na rede, não tem Macunaíma. Mas nem tudo são regras. O sul pariu Raul Bopp que gerou Cobra Norato, o poema que soa e cheira à Amazônia. E ali, em Sto. Antônio da Patrulha, há certas manifestações populares que, por origem luso-africana, se assemelham tematicamente ao mamulengo, do chitão ao porrete.
Fui assistir a Babau ou a vida desembestada do homem que tentou engabelar a morte no Teatro Renascença (domingo,12, tem mais uma apresentação) e me deliciei com a velha arte dos mestres mamulengueiros, numa biografia alegorizada de suas técnicas, transmitidas entre gerações de brincantes. Os artistas Andreza Alves, Carla Denise, Fátima Caio, Fábio Caio e Marcondes Gomes demonstram excelente manipulação dos bonecos e segurança para improvisar com o público. O cenário é feito a propósito para comportar várias cenas, tanto de realismo dramático, quanto de alegorias fantásticas com o diabo e a morte, que igualmente levam porretadas do mestre Babau.
Quem nunca assistiu ou quem quer rever um bom mamulengo, aproveite a oportunidade que o pessoal de Pernambuco oferece no 17 º Poa em Cena. Eles são gabaritados para mostrar coisa de valia nesta arte de conduzir diversão e crítica ao povo.
Os bonecos de mamulengo podem até estar pendurados como curiosidade num museu de folclore brasileiro em Amesterdã, mas só estarão real e eficazmente vivos nas mãos dos iniciados em seu mistério pelos antigos mestres pernambucanos. E esse é o caso destes jovens brincantes que estão em visita a Porto Alegre. Longa vida desembestada ao mestre Babau!
Texto: Carla Denise / Direção: Marcondes Gomes Lima / Elenco: Andreza Alves, Carla Denise, Fátima Caio, Fábio Caio e Marcondes Gomes Lima / Figurino: Marcondes Gomes Lima / Iluminação: Pedro Vilela / Trilha sonora: André Freitas / Duração: 1h / Classificação: livre
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Camilo de Lélis, diretor de teatro, entre seus trabalhos destacam-se: O ferreiro e a morte, Macário, o afortunado, O estranho Senhor Paulo, A bota e sua meia e Mehrda, presidentas que foram agraciados com o Troféu Açorianos da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre em várias categorias. Seus trabalhos foram vistos em circulação por quase todo Brasil. No exterior, destacam-se as apresentações de Jacobina e de Mehrda, presidentas em Montevidéu (em 1996 e em 2001, respectivamente) e de O estranho Senhor Paulo em Buenos Aires (1997). A bota e sua meia apresentou-se na Alemanha, em 1998, e em Portugal, em 2003, dentro do Projeto Cena Lusófona. Em 2006, as encenações de Camilo de Lélis foram objeto da monografia Carnaval, encenação e teatro gaúcho, premiada no Concurso Nacional de Monografias Gerd Bornheim. A obra foi publicada em 2007, registrando em livro a contribuição desse encenador para o teatro.
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