segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Helena Mello #2: O cantil


Foto: Walmick Campos

Manipulando Brecht

Primeiro, quero dizer que se tem uma coisa que o Porto Alegre em Cena torna muito claro é que não existe um teatro, mas muitos. São muitas formas de interpretar, de compor um cenário, de criar figurinos, etc, etc... Escrevo sobre o segundo espetáculo que vi depois de já ter visto o terceiro. Isso não chega a ser exatamente um problema, mas é desconfortável, pois, como jornalista, fico com a nítida impressão de que estou atrasada. Ser chefe de si mesmo tem sempre esta consequência. É uma cobrança... Aliás, é sobre isso que O cantil, baseado no texto de Brecht, fala. Da relação entre explorador e explorado.

O público do Teatro do SESC para assistir à peça não era grande. Muitas poltronas vazias. Talvez as pessoas que vão ao Porto Alegre em Cena escolham o que ver pelos espaços teatrais ou pela distância geográfica, priorizando os espetáculos estrangeiros. Não sei. O fato é que quem não estava lá perdeu uma proposta muito interessante. Não é que seja exatamente nova. Ao contrário, me fez lembrar de exercícios que fiz em algum momento destes mais de dez anos que passei a frequentar aulas de artes cênicas. Uma pessoa conduz a outra em todos os movimentos. É ela quem comanda os gestos, pernas, braços, cabeça. Diz se ela vai ou fica. Se corre ou anda devagar. Pode parecer simples, mas não é. Exige uma entrega. Exige o se deixar dominar. Ou seja, confiança. Esta foi a “técnica” utilizada pelos atores.

Quatro pessoas no palco. Duas ocupando o lugar de “bonecos” e duas responsáveis pela manipulação dos mesmos. A história contada em alguns momentos parece singela. Dois viajantes que seguem em uma direção, buscam um caminho. No entanto, neste trajeto vamos percebendo as relações de poder e controle de um sobre o outro. O palco se mantém escuro. Os “personagens” usam roupas claras. Tem o corpo todo coberto por panos, inclusive o rosto, lembrando múmias. Apesar disso, há momentos em que temos a exata impressão de que estamos vendo suas feições, suas expressões de raiva ou de contentamento. Prova indiscutível de que o corpo fala. Prova também de que não precisamos ver exatamente para imaginar ou presumir.

Existem pequenos truques que auxiliam a compreensão da história sem o uso de qualquer palavra. Como? Bem, em um determinado momento uma maletinha cai da “carroça” que eles transportavam. Neste momento, me pergunto se teria sido de propósito. Em seguida, um dos outros componentes do grupo e que auxiliam no palco, com profunda discrição, a recolhe. Mais tarde, a maletinha reaparece no chão. Assim como a mesma seta que indicava o caminho. Ou seja, eles estavam de volta ao mesmo ponto. Haviam andado em círculos. A peça segue neste mesmo ritmo, sem grandes surpresas, mas trazendo sempre algum elemento novo a ser apreciado, culminando na morte de um deles.

É um espetáculo sofisticado em sua execução. Fica claro que é preciso uma cumplicidade muito forte entre manipulador e manipulado para que o resultado seja tão preciso. A forma como a luz é usada para indicar as estrelas do céu, a passagem do tempo, ou mesmo enfatizar o foco é muito bem realizada. O resultado é uma estética quase plástica das cenas.

E, depois de 40 minutos de silêncio, silêncio este que nos levou aquele caminho de peregrinação, os atores agradecem com o sotaque nordestino do grupo que veio a Porto Alegre me permitir passar por estes momentos de puro contentamento de fazer parte daquela pequena plateia.

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Helena Mello
Jornalista e Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS. Autora do blog www.palcosdavida.blogspot.com

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