domingo, 12 de setembro de 2010

Rodrigo Monteiro #5: Carícias

Foto: Creative



Jogo comportado

Remo Produções traz para o 17º Festival Porto Alegre em Cena um espetáculo em que o jogo de relações diz sobre as relações, o que é quase uma redundância. De alguma forma, relacionar-se é jogar, seja do mesmo time, seja do time adversário. O catalão Sergi Belbel (1963), um dos mais importantes dramaturgos espanhóis da contemporaneidade, escreveu o texto de Carícias em 1992. Hoje, ele tem pouco a dizer.

Cenas curtas, rápidas. Sempre dois atores em cena. Aos poucos, pelas falas, vamos identificando a relação que há entre esses dois personagens. Quando não é familiar, a relação é sexual: invariavelmente. E o jogo terminará quando todos os personagens tiverem jogado com, pelo menos, duas pessoas.

Se centrarmos a relação no Filho, vamos contemplar esse jogo de relações:

A Mãe joga com o Pai(seu marido), a Avó (sua mãe) e o seu Filho.
O Pai joga com a Mãe (sua esposa) e com sua Amante.
A Avó joga com a Mãe(sua filha) e com sua Ex-namorada.
A Ex-namorada joga com a Avó (sua ex-namorada) e com o Mendigo (seu irmão).
O Mendigo joga a Ex-namorada (sua irmã) e com o Filho (um ladrão).
O Filho joga com o Mendigo, com sua Mãe, com seu Irmão e com o seu Namorado.
O Irmão joga com o Filho (seu irmão) e com a Mãe (sua mãe).
O Namorado joga o Filho (seu namorado) e com a Amante (sua filha).
A Amante joga com o Namorado (seu pai) e com o Pai (seu amante).

E o texto acaba, tendo apresentado uma série de encontros sempre tensos em que as duas partes têm coisas a dizer e a esconder. Mas, felizmente, o texto é apenas uma parte da encenação teatral. Em cena, vemos uma organização espacial que contribui para a proposta de Bebel: um corredor de chão negro marcado em que ficamos, espectadores, dos dois lados assistindo às cenas que acontecem e aos outros espectadores que assistem. As marcas no chão são de linhas, de formas geométricas: um estádio, um modelo de corte-costura, um amontoado de indicações que podem fazer ver que o que acontece sobre ele nada mais é que a ruptura. Os detalhes em vermelho da encenação também rompem com o preto/branco do figurino.

O elenco afinado tem a seu desfavor o clima sempre alto das cenas: jogar tudo para fora é menos desafiador que suspender a atenção. No entanto, em poucos momentos, conseguimos identificar o esforço dos atores em avançar: a mãe quando fala com a avó e a amante quando houve os impropérios do pai, por exemplo, são trechos em que melhor podemos sentir a força da interpretação. A direção não contribui quando exige um português corretíssimo em que ênclises e próclises doem no ouvido daqueles que tentam se identificar, mas, por isso, talvez, não conseguem.

O espetáculo é limpo e comportado como um jogo de xadrez disputado por dois aristocratas. O beijo homossexual, os palavrões e a crueldade são colocados numa cesta comum, cartadas dessa disputa em que todos jogamos dia após dia. Embora formalmente enrijecido, “Carícias” vale, entre algumas outras coisas, pela reflexão que o título apresenta: ofender também pode ser uma forma de acariciar.

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Texto: Sergi Belbel / Tradução: Christiane Jathay / Direção: Leo Falcão / Assistência de direção e Preparação de elenco: Karina Falcão / Preparação de corpo: Arnaldo Siqueira / Preparação de voz: Leila Freitas / Elenco: Ana Claudia Wanguestel, Carlos Lira, Cira Ramos, Marcelino Dias, Paula de Renor e Rodrigo García / Figurino: Chris Garrido / Cenário e Direção de arte: Walther Holmes / Iluminação: Beto Trindade/ Produção musical: Fernando Lobo / Produção: Remo Produções Artísticas (Carlos Lira, Cira Ramos, Marcelino Dias e Paula de Renor) / Duração: 1h15min / Classificação: 16 anos

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