segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Rodrigo Monteiro #7: Lonesome cowboy

Foto: Mario Del Curto

Até no futebol

Lonesome cowboy não me oferece muita coisa para analisar além do seu todo. Eu simplesmente, por isso, não consigo escrever sobre ele, bem como sobre nenhum espetáculo de dança contemporânea, sem escrever sobre mim. Não tenho recursos para fincar pontos de discussão, gêneros, categorizar propostas, dissertar: a difícil tarefa de dissecar um objeto morto, sabendo que, vivo, ele é milhões de vezes melhor. Quando eu, na dura intenção de descrever, mato o espetáculo, no caso da dança, vejo a mim mesmo sob a luz branca.

Cinco homens que não mostram nada de cowboys solitários em cena num palco totalmente limpo de cortinas. Os homens não são mesmo solitários. Não é folclore: os homens são muito amigos dos homens do que as mulheres das mulheres. As brigas entre homens acabam quando acabam, sem picuinhas, sem complicaçõezinhas, sem quequequé. Os homens não brigam com amigos por causa de mulheres ou de outros homens. Vão até onde podem e se afastam, porque a amizade vem antes de tudo. Acima do jogo, acima do trabalho, acima do amor. Em Lonesome cowboy, os abraços são constantes, as trocas de afeto e o trabalho em equipe. Composta inicialmente para sete bailarinos, os cinco restantes sentem a morte de um deles e a saída de outro. Dirigidos pelo mestre Philippe Saire, brancos, negros, cabelos raspados e cabeludos convivem sem gritos histéricos e troca-troca de energia. O homem é constante, o sol é o seu regente, graças a deus.

O chão em que marcas são feitas, expondo o fundo branco abaixo da superfície negra, me remeteu às rugas, às manchas, à velhice que sempre deixa os homens mais charmosos. Ao envelhecer, nós, homens, o fazemos com o prazer de longas amizades, de memórias interessantes, do orgulho de termos feito que foi possível.

Há pouco de partituras rígidas e coreografias precisas em Lonesome cowboy. Cada homem desenha o seu caminho pelo destino que quer alcançar. A ordem é seguida respeitando as idiossincrasias, e os cinco bailarinos utilizam, para dissertar sobre esse tema, seus movimentos quase próximos de gestos cotidianos: simplicidade e, ao mesmo tempo, galhardia.

Lonesome cowboy é um comentário sobre a masculinidade, sobre os homens, sobre a energia masculina. Na língua portuguesa, as desinências de gênero feminino se fazem necessárias, enquanto a do gênero masculino é o zero. Por isso, se escreve professorA e professor, ao invés de prefessorO. Talvez venha disso o cansaço que sentimos durante os sessenta minutos de espetáculo. Não há conflitos quando o assunto é homem. Porque, mesmo quando o tema é futebol, a amizade prevalece.


*
Rodrigo Monteiro: Licenciado em Letras - Português/Inglês pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos.Bacharel em Comunicação Social - Habilitação Realização Audiovisual pela mesma universidade. E mestrando em Artes Cênicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Jurado do Troféu Açorianos de Teatro 2010 e, também, do Troféu Braskem 2010, é autor do blog www.teatropoa.blogspot.com de Crítica Teatral de Porto Alegre

Um comentário:

Unknown disse...

Me lembrou muito um desfile da Ellus pro são paulo fashion week...boas imagens.