Beth Néspoli: um festival para muitos espetáculos
Alguns dos espetáculos desta 17ª edição do Porto Alegre em Cena eu já vi, mas gostaria de rever. A montagem mineira Rubros: vestido-bandeira-batom é uma delas. Vi há muito tempo e guardo apenas algumas imagens na memória. Lembro que gostei muito, escrevi sobre ela no jornal elogiando autora, cujo nome, Adélia Nicolete, na época não me dizia nada em especial, eu não tinha a menor ideia de quem ela era. Mais tarde a conheci, só então me dei conta de que ela é mulher do Luiz Alberto de Abreu, mas alguém com brilho próprio, muita sensibilidade, um grande ser humano. A peça tem como mote a relação entre duas amigas e aborda aquilo que se costuma rotular questões femininas – separação, filhos, envelhecimento. Adélia mostra não ter medo desse território “clichê”, porque sabe atravessá-lo para buscar além dele os fios que ligam essas duas mulheres ao seu tempo histórico. Assim, costura sua trama, no emaranhado entre bandeiras (de lutas políticas) e batom, emaranhado mesmo, pois a peça nada tem do tom doutrinador de quem aponta um caminho reto e seguro. Por meio de uma conversa aparentemente cotidiana – que provoca identificação imediata, risos e lágrimas – traça um retrato tragicômico de uma geração de mulheres que vivenciou profundas transformações comportamentais e ainda está aí, nos dias de hoje, maduras, tão cheias de dúvidas quanto de desejo de seguir em frente. Eu vi, num outro festival, essa montagem dirigida pela mineira Rita Clemente, cujo trabalho eu já conhecia e foi o que me atraiu ao teatro. E sua direção realmente contribui para ampliar as qualidades dessa dramaturgia, assim como as interpretações.
Sobre In on it, muito já foi dito. O espetáculo já tem longa estrada, sempre com recepção entusiasmada e é daquelas que conseguem agradar a diversos públicos teatrais – sim, também há espetáculos assim. Vale ser visto por muitos aspectos, da direção passando pelo texto ao jogo da dupla de atores, Emilio de Mello e Fernando Eiras.
Por tu padre, a montagem argentina do texto de Dib Carneiro Neto, atual editor do Caderno 2, que, no Brasil, foi encenado com o título Adivinhe Quem Vem para Rezar e tinha Paulo Autran como protagonista. Trata-se de um drama que enfoca relação pai e filho e tudo se passa numa Igreja, na missa de sétimo dia da morte do pai. É uma peça de quatro personagens para dois atores e Autran fazia três desses personagens com transformações externas mínimas. Trocava uma bengala por um lenço. Era uma atuação minimalista, interiorizada, inesquecível. A montagem argentina promete trazer como protagonista um ator dessa mesma linha realista de interpretação, Federico Luppi, acostumado às nuances expressivas da arte cinematográfica, igualmente talentoso e experiente, e estou bem curiosa de ver como ele expressará esse drama, que tem seus momentos de humor, bom que se diga. Apreciar a arte desses grandes atores de outra geração e seu talento para “dar vida” a palavras em cena é um dos prazeres que o teatro pode nos dar.
Também vou aproveitar para ver A inquietude, solo Ana Kfouri, de autoria do francês Valère Novarina, um dos que sinto ter perdido na temporada. É um desses textos contemporâneos, em que não se conta uma história, porém as palavras se encadeiam num jogo ou até num choque de sentidos e sonoridades de forma a deixar ao espectador possibilidades abertas de construção de sentido. Até onde sei, o autor aborda a própria linguagem como se examinasse essa ferramenta em sua potência e sua fragilidade. Se a proposta tem certamente a sua dificuldade (o que não é demérito), o interesse pode se ampliar pela presença da Ana Kfouri, uma atriz que conhece a fundo a dramaturgia desse autor e sabe o que quer ao trazê-la para a cena brasileira. Pelo menos, essa é minha expectativa.
Fica agora a expectativa de que comece o Festival. Os próximos posts já serão sobre os espetáculos a que assistirei. Ingresso na mão, Word aberto. O 17º já começou!
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