quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Bob Bahlis #5: Um navio no espaço ou Ana Cristina Cesar

 Cena 4: Paulo José e Ana Kurtner

Domingo, chuva forte, 19h30min. O que fazer? De repente, você se separa, fica confuso e vulnerável e uma sensação de não ter lugar para ir. Já sei! Teatro CIEE ver o Paulo José e Ana Kutner (filha dele e de Dina Sfat)! E lá estava eu, na primeira fila, pra ver o espetáculo "Um navio no espaço ou Ana "Cristina César ".

Paulo José é um ator que trabalha na Rede Globo e amo ver ele no teatro. Tenho amigos que fazem novelas e também o bom teatro. Não tenho nada contra atores da Rede Globo e, se por acaso o "plim-plim" quiser me contratar, pra fazer o "cara da vendinha" (tipo físico - careca, gordo), estou na área procurando trabalho.

O Paulo José "pode" fazer teatro, cinema, tudo! E pode mesmo! (O Fiuk, por favor, não.) Paulo José está ótimo, é um dos melhores atores do Brasil. Durante o espetáculo, Paulo José parecia em casa, nada de tremores e de agitação, reflexos da doença. Está realmente maravilhoso. Quase um Deus! A surpresa maior foi ver em cena Ana Kutner. Depois da peça, desfrutei no camarim momentos com ela.

O Paulo José entrava e saía do camarim. Nos olhava, docemente, ria .

A peça é um drama que fala de suicídio. Angustiante. Tive um grande amigo que se matou aos 28 anos de idade. Um dia antes do suicídio, ele foi na minha casa e tivemos uma bela conversa. Estava aparentemente ótimo. Depois do suicídio, achei que aquela visita foi uma despedida. A história da peça mostra a vida de Ana Cristina Cruz Cesar, considerada um dos principais nomes da geração do mimeógrafo dos anos 70. Cometeu suicídio, atirando-se pela janela do ap dos pais, no décimo terceiro andar de um edifício.

Dramaturgicamente falando, tudo é muito bem fechado no texto. Palmas para o Dramaturgo Walter Daguerre. Os poemas, as cartas e os diários da escritora, projeções luxuosas, trilha sonora no ponto, um cenário "balança, mas não cai"... Quem cai é Ana Cristina, que tirou a própria vida aos 31. Vai aí o bate papo com a atriz Ana Kutner, que vive Ana Cristina.


Bob: O que te passa na cabeça sobre o suicídio da Ana Cristina?
Ana Kutner: Ana Cristina Cruz Cesar era muito genial, um vulcão de sentimentos, de potência, de muita inspiração. Ela vinha de uma família muito castradora, protestante. Deve ter sido muito difícil pra eles conviver com este vulcão dentro de casa. A família dela se mobilizou para tentar segurar ela, pra ela não cometer o suicídio. Tenho a sensação de que a Ana não tinha a energia da vítima. Ela não era vítima de si mesma e penso que não sentia pena de si. Cada vez mais que vivo no palco essa história, acredito muito que Ana Cristina se mata, por não ter aguentado esperar. Esperar o tempo passar, a maturidade. Claro que ela viveu todo o processo, a trajetória clássica dos suicidas. Não é que ela estava tranquila e, do nada, se matou. Ela viveu um declínio clínico. Tentou várias vezes o suicídio. Entrou em depressão, chegou a pesar 45 quilos. A família tentava ajudar de todas as formas segurar Ana neste mundo....

Bob: Te vi em cena e lembrei da Rita Lee, jovem. O teu pique e preparo físico é ....
Ana Kutner: Eu vou as lágrimas com tuas palavras. Sou muito fã da Rita Lee. Os Mutantes. Tutti Frutti... Ai, que delícia!

Bob: Gostaria que falasse um pouco da tua infância...
Ana Kutner: Foi ótima! Foi uma infância dentro de uma família de artistas. Lembro das coxias, dos bastidores. Cresci vendo os meus pais trabalhando até tarde. Tinha vezes que os trabalhos aconteciam durante à noite. Eles ficavam o dia inteiro em casa. O cotidiano era diferente mesmo, não se tem um horário fixo de trabalho. Estou hoje aqui neste teatro com meu filho. Vejo que é uma repetição mesmo. Mas tinha que cumprir minhas tarefas. Passar de ano. Fazer dever. Era uma casa com estrutura, com horários.

Bob: E a tua mãe, a Dina Sfat?
Ana Kutner: Ah, me vem muita coisa boa... Muita coisa que eu fui só entender agora, sendo mãe. E penso que foi bom o fato dos meus pais terem me segurado em alguns momentos e me soltado em outros, que isso deu a medida certa, e agora me sinto organizada pra passar pro João todas as coisas legais. As coisas que não foram boas não vou passar. Como toda a família, erramos e acertamos o tempo todo.

Bob: Como foi tua entrada no teatro?
Ana Kutner: Porto Alegre faz parte dessa história. Minha mãe veio fazer o espetáculo A irresistível aventura, aqui no Theatro São Pedro. Estava eu aqui com ela. Hoje, meu filho está aqui comigo. Voltando.... Eu tinha 13 anos e ela perguntou se eu não queria trabalhar, fazendo contraregragem. Eu topei. Enquanto estávamos aqui no sul, foi uma experiência muito forte. Ali foi a primeira vez que eu senti ter pisado em cena. Depois, com 18 anos, eu me profissionalizei, mas fiz muito teatro amador, Tablado, etc....

Bob: Teus movimento corporais em cena mostram que tiveste contato com dança. Estou certo?
Ana Kutner: Sim. A dança iniciou aos 03 anos de idade na minha vida e durante a adolescência inteira. Inclusive, quero voltar ao clássico. Minha formação vem do ballet clássico e do circo (trapézio), então, o corpo é um fio condutor muito forte, pra eu fazer esta personagem.

Bob:
Como é a tua família?
Ana Kutner: Sou separada do pai do João. Hoje sou casada com o Dramaturgo Walter Daguerre. Já são dois anos e meio de casamento. Há vida depois da separação.

Bob: E o Porto Alegre em Cena?
Ana Kutner: Amo o Poa em Cena. É minha segunda participação no festival. A estrutura e qualidade do Porto Alegre em Cena coloca a cidade como referência do teatro brasileiro.

Gente boa, desculpe qualquer erro, sabe como é a dislexia, né? Ainda vai render vários posts sobre a peça de ontem. Entrevistas com Carpinejar, Cinthya Verry, Ivete Brandalise e relatos sobre um dos momentos mais emocionantes, a entrega de uma placa para Paulo José, por Luciano Alabarse, que venceu sua timidez e me levou as lágrimas com suas palavras.

Beijos, Bob Bahlis

*Bob Balis (40 anos) é diretor de teatro e dramaturgo. Dirigiu os espetáculos "Stand Up Drama", "Dez(quase)Amores" , "Filhote de cruz credo", "Tem Quintana na Casa", "Homens", entre outros. Em novembro, estreia a comédia adulta Morgue (texto e direção). Em 2011, pretende montar a peça "O dia mais quente do ano" (texto e direção). É professor de teatro da escola Cômica Cultural.

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