domingo, 12 de setembro de 2010

Helena Mello #1: Happy days

Foto: Luciano Romano

Unhappy theater

Cinco anos se passaram desde a última vez que estive no Theatro São Pedro para assistir a Happy days, de Peter Brook. Lembro que quase morri de tédio. Mas não sabia dizer se o espetáculo realmente não prestava, pois meu irmão havia morrido naquela semana aos 49 anos de um ataque cardíaco fulminante. Tentei seguir assistindo aos espetáculos como uma homenagem a ele que, certamente, gostaria que eu continuasse as minhas atividades, sobretudo as que, normalmente, me dariam prazer. Porém, nenhum talento cênico conseguiria aliviar o sentimento que me ia à alma. Lembro que no intervalo perguntei a um colega que conhecia o texto se valia à pena ficar, se melhorava e, como havia de fato uma mudança, ele disse que sim. Entretanto, o que acontecia não podia ser considerado como algo positivo, ainda mais naquele meu estado de espírito. Pois bem. Hoje, voltei.

Estou acostumada a ver Eva Sopher na entrada, mas desta vez lá estava Luis Fernando Veríssimo que, para mim, é praticamente um personagem, pois existe o texto de LFV e o próprio e, mesmo que não o conheça de perto, desconfio que eles sejam bem diferentes. Bem, mas sempre gostei de ir ao teatro e, embora não queira parecer arrogante, devo dizer que meu sentimento é ainda mais intenso agora que sou mestra em artes cênicas. Explico: ver o Theatro São Pedro lotado já me deixa feliz e é nestas horas que uma quinta feira sem graça se transforma em um happy day.

Levanto para cumprimentar Sandra Dani e Luiz Paulo Vasconcellos que, agora, considero meus amigos. Muitas outras caras conhecidas estão espalhadas pela plateia. Laura Backes, Inês Marocco, Mirna Spritzer, Flávio Maineri, Mônica Bonatto... Assim como muita gente que nunca vi e outras que eu gostaria de conhecer. De repente, me dou conta que já faz mais de dez anos que entrei neste universo. Como eu sempre soube, é um povo diferente este do teatro, gente que continua me atraindo. Desta forma, apesar de ainda não terem dado o sinal, nem apagado as luzes, sinto que o “evento” teatro já começou.

O espetáculo começa. A atriz murmura alguma coisa e eu penso: em que língua ela está falando? Só depois reconheço que é francês. Mas sem legendas? O que ela dizia não era nada de tão importante, mas podia imaginar como as pessoas que não sabem esta língua (ah...coitadas) deviam estar angustiadas por não compreenderem. Na hora, lembrei de um espetáculo a que assisti no SESI em alemão em que todos riam e eu imaginava que era muito estranho tantas pessoas compreenderem. Só depois me dei conta de que eu é que não estava vendo a legenda. Assim, hoje, comecei a procurar onde estaria e aos poucos, apesar de toda a luminosidade que vinha do fundo do palco comecei a enxergar as letras. Uma senhora ao meu lado coloca seus óculos escuros. O efeito de contraste entre o morro negro onde se encontra a atriz e a luz de fundo, apesar de esteticamente muito interessante, provoca desconforto e atrapalha completamente a leitura.

Enquanto a monotonia começa a chegar, lembro das mediações feitas na Bienal e me pergunto: sobre o que é o espetáculo? Mesmo encontrando respostas como: é sobre o patético da vida, sentia que algo não estava funcionando ali. A plateia faz um silêncio enorme. Mesmo as tosses, tão comuns nestes momentos, estavam praticamente sumidas. E, enquanto o texto vai sendo despejado com um sotaque que mais me lembrava uma feirante em Marseille, vou sentindo necessidade de olhar o relógio. Havia se passado apenas meia hora e o sono já começava a chegar de forma incontrolável. Logo eu que este ano fiz questão de não comprar ingressos para o espetáculo japonês com medo de que eles botassem toda a minha cultura ocidental para dormir.

Para não achar que esta sonolência era apenas fruto da minha ignorância começo a tentar fazer reflexões sobre a dramaturgia de Samuel Beckett. Afinal, sou encantada com Esperando Godot e ainda lembro como foi incrível dizer algumas falas deste texto na montagem de Zé Adão Barbosa nos tempos em que fazia oficinas. Sigo meu raciocínio: humm, há aqui uma não relação e ao mesmo tempo uma dependência entre os personagens... Enquanto me disperso em minhas análises, chega o intervalo. É quando o professor Mainieri me pergunta: “tu fazes crítica?”. Falo do meu trabalho de mestrado que me incentivou a querer escrever sobre os espetáculos já que sigo não encontrando uma definição que me convença sobre as diferenças entre opinião, comentário e crítica.

Troco minhas impressões com algumas pessoas e, além de concordarmos que o espetáculo está botando para dormir, descubro que isto ocorre porque há um problema na interpretação da atriz que apenas despeja o texto, acrescentando interjeições desnecessárias. Neste momento, concluo que há uma falta de sutileza na hora de dizer as palavras do texto cujas intenções do autor precisariam ser respeitadas. Caso contrário, como dizia meu professor Sergio Silva, tudo pode estar perdido. E é isso que está acontecendo ali.

Apesar da introdução de alguns ruídos semelhantes a trovões (que não recordo de ter ouvido na montagem de 2005) estou de novo com os mesmos sentimentos daquela última vez em que assisti à montagem de Happy days e posso garantir que este ano não tenho a morte de nenhum parente próximo que possa justificá-los. Felizmente, sabia que faltava, aproximadamente, 40 minutos para terminar e, quando isso acontece, as pessoas aplaudem de pé, algumas gritam bravo e eu concluo, mais uma vez, que certamente a minha “opinião comentada criticamente” não vai agradar todo mundo. Não faz mal. Defendo, justamente, a provocação do debate que em casos como este costuma ser muito mais interessantes do que a própria obra. São os mistérios da arte.

PS: Caso não tenha ficado claro, o espetáculo era legendado.


Helena Mello
Jornalista e Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS. Autora do blog www.palcosdavida.blogspot.com

3 comentários:

Mirna disse...

Pois eu adorei a atriz Adriana Asti!
E também a montagem do Bob Wilson.
Ambos trazem novidade à obra de Beckett.
Um outro tipo de densidade. Estranhamento, deboche, ironia.
Beijo,
Mirna

helio barcellos jr. disse...

Estranho mundo: ano passado viram até mesmo uma revolução (?) em Wilson, e agora ele já é déjà-vu. Eu gostei, mas sem entusiasmo. Assim que a cortina caiu, comecei a me lembrar da montagem com Fernanda Montenegro. Mas isto não aconteceu quando vi Happy Days por Peter Brook.

Camilo de Lélis disse...

Pois, Hélio,é o "Götter Dämmerung", o crepúsculo dos deuses, eu, por ser iconoclasta de berço, riu cá no meu cantinho , lucifericamente...hehehe!