sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Marcelo Adams #1: Dr. Jekyll and Mr. Hyde

Impressões digitais

Uma das coisas mais constrangedoras a que assisti no teatro. Só assim para sintetizar a série de equívocos que se constitui esse espetáculo, cuja ficha técnica é dominada pelos brasileiros radicados na Espanha Roberto Cordovani (ator, tradutor, adaptador, diretor e figurinista - sim, tudo isso no mesmo espetáculo) e Eisenhower Moreno (ator, tradutor, adaptador, diretor, iluminador e responsável pela trilha sonora - sim, tudo isso no mesmíssimo espetáculo).

Não sei por onde começar: em primeiro lugar, devo dizer que o Luciano Alabarse, meu amigo pessoal e diretor com quem trabalho há anos, NÃO PODE ter assistido a essa bomba, porque não traria um espetáculo desse nível, da Espanha para cá. Deve ser algum tipo de parceria com alguém, etc. Porque não se justifica, em nenhuma hipótese, proporcionar esses momentos de horror ao público gaúcho. Li por aí que o Cordovani tem uma carreira importante na Europa (?), mas certamente as coisas mudaram muito, porque ele parece desconhecer rudimentos básicos de encenação.

A trilha sonora, chupada de filmes de suspense os mais variados (reconheci vários, mas posso citar, pelo menos, a maravilhosa trilha criada para De olhos bem fechados, de Stanley Kubrick), entra exaustivamente, sempre em altíssimo volume, tentando ganhar no grito e criar um "climão" de mistério, que em absolutamente nenhum momento se traduz em cena. As marcações, dignas de teatro amador, são compostas por vai-e-vens e giros aleatórios, que muitas vezes se findam fora dos focos de luz que povoam a iluminação da peça. Outra coisa: a transformação de médico para monstro beira o ridículo, caricaturizado e over. Pasmem: há momentos de moralismo, quando um dos atores desce para a plateia e discursa para os espectadores (não sei o tema, porque não consegui prestar atenção). Não há nenhum entedimento sobre o que significa o tempo, em teatro. Cordovani, em um esforço visível e angustiante para dizer o texto, recheia suas falas com pausas e hesitações intermináveis, que não servem para nada. Nem Beckett ousaria tanto nesse quesito. Minha tese é a seguinte: os dois atores, que interpretam várias personagens e trocam de figurino N vezes, devem ter decorado o texto em espanhol, onde a peça foi montada, e provavelmente a traduzem, simultaneamente, para o português, quando abrem a boca. Ou isso, ou o Cordovani não decorou bem o texto, o que não quero acreditar.

A estrutura da peça é tão óbvia que chega a doer: a) cena entre dois atores; b) um dos atores sai um pouquinho antes, para ganhar um tempinho extra e se trocar para a próxima cena, em que interpretará outra personagem; c) o ator que ficou em cena diz uma ou duas frases em "enchelinguicês" e sai; d) com o palco vazio, a trilha sonora, altíssima, de filmes de suspense, inunda a cena, ao mesmo tempo em que nuvens de fumaça são lançadas para dentro do palco e vê-se uma projeção em vídeo, supostamente vitoriana, envolvendo cavalos correndo atrelados a carrugaens e mulheres correndo por vielas escuras; e) um ou os dois atores voltam e retorna-se à letra a).

Ponto positivo: provavelmente eles não são picaretas, como muitos que conhecemos por aí, que produzem caça níqueis sem nenhum outro interesse que não o monetário. Aqui, ao adaptar o romance vitoriano de Robert Louis Stevenson, não exatamente um tema fácil e popular, o que se viu foi a incapacidade artística. Ou seja, eles são apenas ruins, não mal intencionados.


*

Marcelo Adams é ator, diretor teatral e dramaturgo. Graduado em Teatro- Interpretação Teatral e em Direção Teatral, pela UFRGS. Mestre em Letras pela PUCRS. Fundador da Cia. de Teatro ao Quadrado, sediada em Porto Alegre. Participou de dezenas de espetáculos como ator e diretor. Destacam-se Goela abaixo, O homem e a mancha (Prêmio Açorianos de Melhor Ator em 2006), Burgueses pequenos, Édipo, O médico à força (Prêmio Açorianos de Melhor Ator em 2008), Bodas de sangue e Mães & Sogras. Estreará no próximo dia 15 de outubro, no Teatro de Arena de Porto Alegre, o espetáculo A lição, de Eugène Ionesco, nova produção da Cia. de Teatro ao Quadrado. Autor do blog http://marceloadams.blogspot.com/

4 comentários:

Lucilene disse...

Concordo plenamente. Saí da peça achando que o que tinha visto era inacreditável de tão ruim. Não valeu os R$ 10,00 que paquei.

Alexandre disse...

Parecia que eles estavam usando ponto.

Anônimo disse...

Marcelo, no dia em que tu assististe essa peca ela foi ate' o fim? No dia em que eu fui, dia 09/09, eles tiveram que terminar 20min antes, por problemas tecnicos.

Leonardo disse...

Pois é, eu também estava na primeira noite do espetáculo e eles tiveram problemas técnicos. Fiquei bastante decepcionado com quase tudo. As trocas de roupas eram muito, mas muito demoradas! Era um tédio constante.
Mas eu gostei do ator Roberto Cordovani. Gostaria de vê-lo em outra peça, com um bom diretor e sem depender tanto de computadores.